Contra as amarras do tempo: O legado de Azzedine Alaïa

No último sábado (18), a Federação Francesa de Moda confirmou a morte do designer franco-tunisiano Azzedine Alaïa, de 82 anos. Sempre...



No último sábado (18), a Federação Francesa de Moda confirmou a morte do designer franco-tunisiano Azzedine Alaïa, de 82 anos. Sempre se recusando a seguir as imposições de tempo da indústria fashionista internacional, Alaïa deixa para nós, juntamente com suas inúmeras criações memoráveis, uma reflexão sobre as mudanças no cenário da moda atual.

Nascido na Tunísia na década de 30, Alaïa abriu seu primeiro atelier aos trinta anos, após ter trabalhado como alfaiate para Christian Dior, Guy Laroche e Thierry Mügler. Estudou escultura na Escola de Belas Artes de Tunes (capital da Tunísia) e, ao perceber que não tinha habilidade o suficiente para ser um grande escultor, decidiu mudar de ramo - curiosamente, era frequentemente comparado a um escultor por conta de seus vestidos que se moldavam perfeitamente ao corpo das mulheres, deixando-as similares a esculturas.


Contra o sistema, a favor do progresso:


"Ele não é parte do sistema, ele criou o próprio sistema", diz Alber Elbaz, ex-diretor criativo da Lanvin, sobre o amigo, Azzedine Alaïa. A fama de Alaïa sucedeu de uma rebeldia contra os calendários e o frenesi absurdo do mundo da moda, que começava a se firmar como uma indústria criativa nos anos 70-80. Ele nadou contra a maré; lançava suas coleções quando bem entendia, repetia designs, mantinha-se longe dos holofotes, não emprestava vestidos e nem patrocinava modelos e celebridades. E mesmo assim, se tornou um designer best-seller nos Estados Unidos durante anos - como é até hoje, tendo 140 metros quadrados para ele na Barney's de Nova Iorque.

"Não é mais sobre criação. Isso se tornou uma abordagem puramente industrial. Mas, de qualquer jeito, o ritmo das coleções é muito estúpido. É insustentável. Tem coleções demais... É quase desumana a quantidade de trabalho hoje em dia. Pouquíssimos podem aguentar isso. É uma vida acelerada demais". - Azzedine Alaïa para o WWD, 2016.


Embora notório crítico do sistema de moda atual, Alaïa não era apenas um gran couturier saudosista que desejava a volta dos velhos tempos - muito pelo contrário. Visionário e progressista, ele influenciava o futuro da moda do jeito dele, apenas não simpatizava com a sistemática industrial que o universo fashionista estava aos poucos aderindo. Suas coleções se tornaram "atemporais" justamente por se interessar mais na refinaria e evolução das técnicas do que no seguimento de tendências. Em tempos onde designers são chamados de "diretores executivos" e possuem um time de artistas para interpretar e dar vida às suas ideias, Alaïa fazia questão de criar e inspecionar minuciosamente cada detalhe e acessório que chegaria até a passarela.



Amigos e Inimigos


Como qualquer artista irreverente e independente, Alaïa conquistou o coração e a antipatia de muitos. Naomi Campbell, por exemplo, sua musa e protegida, foi uma das modelos que esteve com ele até o fim, abrindo o que se tornou seu último desfile em Julho de 2017 - o primeiro em anos a se encaixar no calendário de moda mundial. Tornou-se tão influente e estabelecido que não tinha medo - ou motivos para ter medo - de dizer o que pensava. Em 2011, numa entrevista para a Virgine Magazine, Alaïa expressou honestamente o que sentia em relação à Diretora Chefe da Vogue US, Anna Wintour:


"Ela gerencia o negócio [Vogue] muito bem, mas não a parte da moda. Quando eu vejo como ela se veste, eu não acredito no gosto dela nem por um segundo. Eu posso dizer isso alto! Ela não fotografa meu trabalho em anos [...] As mulheres americanas me amam; eu não preciso do apoio dela".


Também fala sobre como muitos designers pensam como ele - ele, inclusive, é queridíssimo pela comunidade fashion e possui inúmeros amigos que são grandes nomes no ramo - mas não podem dizer nada por conta das relações publicitárias, coisa que ele evitou grandemente durante sua carreira. Mas sua antipatia pela Vogue americana não se limitou a ausência de seus vestidos nos editoriais da revista durante treze anos. Em 2009, Azzedine Alaïa pediu para que sete modelos (Naomi Campbell, Linda Evangelista, Stephanie Seymour, Marie-Sophie Wilson, Veronica Webb, Farida Khelfa e Tatjana Patiz) não usassem seus vestidos no Baile do Met, pois ele havia descoberto que tinha sido deixado de fora da exibição, cujo tema era "Modelos como Musas", celebrando a função da modelo como um dos pilares da alta moda e sua relação com os designers e fotógrafos que imortalizam os estandartes de beleza de determinada época na cultura ocidental. Alaïa foi um designer famoso por suas musas e deu a entender que a única razão pela qual tinha sido deixado de fora do evento foi Wintour, que organiza a festa.



Seu legado


No fim das contas, o maior talento de Alaïa sempre foi sua simplicidade e seu jeito cativante, que o possibilitou mostrar ao mundo o máximo de sua arte e de sua paixão. A confiança no que fazia o consagrou como um dos grandes mestres da alta costura, mas seu nome é lembrado por sua irreverência em meio a uma indústria sistemática de relações frágeis e supérfluas. Ele construiu amizades e conquistou admiradores fiéis que acabaram por moldar seu verdadeiro êxito no universo fashionista.


"Tudo pode continuar sem mim. Deve continuar. Um dia você diz "É isso" pra si mesmo, mas não para a casa [a maison]. Você deve simplesmente encontrar o substituto certo" - Azzedine Alaia para o New York Times, 2013.


Sua memória será mantida por seu parceiro, o pintor Cristoph Von Weyhe, seus sobrinhos e todos que fizeram parte do universo de um dos maiores couturiers que já viveu.

Fontes:
https://runway.blogs.nytimes.com/2009/05/04/alaia-pulls-his-dresses-from-the-met-gala/
https://fashionista.com/2011/06/azzedine-alaia-says-no-one-will-remember-anna-wintour-in-the-history-of-fashion-the-fued-continues

LEIA TAMBÉM

0 comentários