XXI | Greenwashing: A Falsa Sustentabilidade no Mundo da Moda

Campanha Zara Spring/Summer 2016 O termo Greenwashing , em tradução liberal, significa "Lavagem Verde". Em poucas palavras, es...

Campanha Zara Spring/Summer 2016
O termo Greenwashing, em tradução liberal, significa "Lavagem Verde". Em poucas palavras, esse termo é utilizado para apontar empresas que usam a sustentabilidade e a consciência ecológica como marketing, sem necessariamente possuírem práticas que, de fato, sejam sustentáveis. Em um mundo onde cada vez mais as pessoas se sensibilizam com desastres ambientais e se preocupam com a escassez de recursos, empresas precisam se adequar à demanda por sustentabilidade de seus consumidores. Ou apenas fazer com que eles consumam sem peso na consciência.

Não há uma pessoa que assista o documentário "The True Cost" (em tradução livre, "O Verdadeiro Custo"), que expõe os impactos e malefícios do fast-fashion, e não se sensibilize. Pelo menos por alguns dias, você vai encarar seu armário cheio de blusinhas da Zara, C&A e outras cuja procedência não é exatamente confiável que você comprou apenas porque estavam na promoção e pensar: "Eu realmente deveria repensar meus hábitos de consumo". Mas isso dura poucos dias, pois, logo depois, a Zara lança sua primeira campanha sustentável no Brasil e deixa todos nós com o coração mais leve ao comprar suas roupas.

Uma iniciativa sustentável é sempre bem vinda. Diminuir químicos? Incrível! Reciclar tecidos? Maravilhoso. Mas vender isso como se o impacto dessa atitude fosse realmente relevante coloca tudo em uma perspectiva diferente. Tenhamos como exemplo a H&M, gigante sueca de roupas que possui mais de 3.500 lojas pelo mundo (se incluir suas submarcas, como a COS). A Textile Exchange reconheceu a H&M como a maior utilizadora de algodão orgânico do mundo. Mas apenas 13,7% do algodão usado pela H&M é orgânico. Não que não deva ser levado em consideração, mas, no fim das contas, o impacto dessa atitude pode ser considerado relevante o suficiente para que uma marca utilize a imagem "verde" e seja considerada sustentável?


"Nós acabamos doando roupas para o H&M's World Recycle Week enquanto levariam 12 anos para que a marca reciclasse a quantidade de roupas que ela mesma produz em apenas 48 horas" - Chantal Fernandez, para o site Fashionista.


É mais rentável gastar dinheiro e tempo em campanhas sustentáveis e marketing verde do que de fato mudando e criando políticas que apresentem efeitos relevantes. É ai que mora o papel do consumidor: saber diferenciar uma estratégia de marketing vazia de uma campanha bem fundada. É óbvio que marcas verdadeiramente verdes podem - e devem! - levantar a bandeira da sustentabilidade, mas muita das vezes nem se quer isso acontece; o consumo consciente não é simplesmente comprar "uma camisa de seda vegana tingida com urucum e costurada com linhas de algodão orgânico e garrafas pet reclicladas". Vai muito além disso.

Lixo têxtil em um aterro em Damasco, Síria - Foto por Mohammad J. Taherzadeh


High Fashion  ≠ Produção ética

É quase revoltante pensar que marcas que esbanjam luxo - caracterizado principalmente por preços altíssimos - são coniventes com a mesma desgraça ética do fast-fashion (mesmo procurando criar contrastes palpáveis para continuar a agregar valor em suas peças). Então, não, não é porque o preço é alto que isso automaticamente significa que tal produto foi produzido seguindo padrões éticos (ou, até mesmo, de luxo). Um grande exemplo é a Kering, holding francesa dona de marcas como Gucci, Yves Saint Laurent, Balenciaga etc, que foi alvo de um processo pela rede de boutiques Selima Optique por, alegadamente, produzirem seus óculos de luxo YSL na China enquanto as peças são vendidas sob o selo "Made in Italy". De maneira similar, o The Guardian expôs que a LVHM produzia as solas dos sapatos da Louis Vuitton na Romênia.

A mão de obra barata é altamente utilizada por marcas de luxo na confecção de acessórios, coleções ready-to-wear, parcerias etc. Muitos países do sudeste asiático possuem leis trabalhistas mais "flexíveis" do que a maioria dos países da Europa, por isso companhias, visando o lucro, mudam suas fábricas para esses países. E sim, essas marcas produzem uma quantidade absurda de acessórios e RTW, que não deixa de ser prejudicial ao meio ambiente. Comprar cegamente um artigo de marca renomada achando que está em um patamar melhor que uma peça produzida em massa por uma companhia de fast-fashion qualquer é um equívoco. Francamente, uma peça pode ser considerada "luxo" quando o preço de mercado de um único item é o triplo do que quem a produz ganha durante um mês?

Mudanças necessárias

A sustentabilidade se tornou algo "estiloso". É comum ver pessoas falando de maneira emotiva e cômica sobre salvar as abelhas na internet. O problema é que ninguém está disposto a se tornar um consumidor consciente em prol do desenvolvimento eco-consciente. É algo como: "Ei, eu não quero diminuir a quantidade de lixo têxtil que eu produzo por ano por comprar uma quantidade absurda de roupas que, no fundo, não preciso, portanto, eu vou comprar a mesma quantidade roupas, só que ecologicamente corretas. Não, não vou pesquisar sobre a veracidade da produção sustentável desse produto, isso é coisa de gente chata". É por isso que o Greenwashing funciona - não buscamos mudança, buscamos algo que alivie nossa consciência. Pesquisar antes de comprar deveria ser um hábito, mas nos tornamos obcecados com o modelo see-now-buy-now - é comum ver alguém dizer que "não liga para marcas" e "compra se ver e achar legal", sem se preocupar com coisas como a qualidade, durabilidade do produto, custo x benefício coerente, procedência etc - não é "cool" ser um comprador consciente. As pessoas acham estranho quando eu estou em uma loja e viro a roupa do avesso para conferir as costuras. "Isso é coisa de quem gosta de moda". Na verdade, isso é coisa de quem realmente se importa com o produto que está levando para casa ao pagar por ele. Mesmo que você não se interesse por moda a fundo, você a consome. Isso torna você parte da roda que faz a indústria girar.

Desde sempre a moda foi uma maneira de se expressar, extravasar e alimentar nossos egos. Isso não necessariamente é algo ruim, somos humanos no fim das contas. O que precisamos fazer é não fechar os olhos, não ignorar o fato de que estamos lidando com uma indústria que está levando nosso planeta ao caos - até 2030, é previsto que a emissão de carbono da indústria têxtil aumente em 2.791 milhões de toneladas e o descarte (lixo têxtil) alcance 148 milhões de toneladas. Os consumidores precisam mudar, mas a moda também. O grande perigo do Greenwashing na indústria fashionista - ou, do Greenwashing no geral - é que ele nos faz acreditar que algo está mudando, quando de fato não está. Precisamos nos educar, criar uma demanda por novas tecnologias, novos tecidos e novos sistemas. É ótimo pregar o estilo de vida minimalista, mas precisamos ser realistas: não vai acontecer, não num futuro próximo, não para uma quantidade considerável de pessoas. Cabe a nós, consumidores, assumirmos nosso papel e nossa responsabilidade como uma engrenagem da indústria e começarmos a fazer escolhas verdadeiramente conscientes - e não necessariamente isso envolve comprar uma camisa de garrafa pet.

Fontes:
http://www.bbc.com/news/business-34984836
https://fashionista.com/2016/08/greenwashing-fashion-marketing
http://www.thefashionlaw.com/home/fast-fashions-green-initiatives-dont-believe-the-hype
http://www.hollywoodreporter.com/news/kering-denies-allegations-gucci-ysl-glasses-are-made-china-1015643
https://www.theguardian.com/business/2017/jun/17/revealed-the-romanian-site-where-louis-vuitton-makes-its-italian-shoes
https://www.copenhagenfashionsummit.com/wp-content/uploads/2017/05/Pulse-of-the-Fashion-Industry_2017.pdf

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