Na Paris Couture Week 2017, Maria Grazia Chiuri apresentou sua segunda coleção de Alta Costura para a Dior, coincidindo com o aniversário de 70 anos de fundação da marca, que foi celebrado com uma enorme exibição no Musée de Arts Décoratifs. Não obstante à importantíssima celebração, Chiuri decidiu que a coleção retrataria um pedaço da história da marca e de seu fundador, Christian Dior. A área externa do Hotel des Invalides foi transformada em um safári pelo artista italiano Pietro Ruffo. A decoração incluiu grama alta, esculturas alternativas de animais em madeira e um enorme mapa-mundi em formato de estrela no topo, representando os cinco continentes visitados pelo criador da marca. Toda a coleção foi criada em torno dos arquivos da Maison e das viagens de Monsieur Dior após a Segunda Guerra Mundial.

A COLEÇÃO

Em seu "Pequeno Dicionário de Moda" (publicado em inglês, The Litte Dictionary of Fashion), Monsieur Dior já descreveria o cinza como "A mais conveniente, útil e elegante cor natural". Cinza em tecidos pesados, comumente utilizado no vestuário masculino, foi a cor principal da coleção, presente na maior parte dos sessenta e seis designs na passarela. As roupas eram sóbrias, porém muito elegantes, com movimento e forma, retratando a mulher exploradora que viaja o mundo.


Chiuri se deu a missão de fazer a coleção de outono ser plenamente sobre Monsieur Dior e sua história. Ela criou peças que remetem a história da marca, mas sem transformá-las em fantasias. O charme e a elegância sempre foram algo crucial para a Dior num todo, mas nunca deixando de pensar nas nuances e nos pequenos detalhes que precisam ser levados em conta quando se presta ao trabalho tão singular que é fazer roupas para mulheres. Os tules leves contrastaram com o algodão pesado para dar movimento suavidade a algumas peças. De fato, uma coleção onde tudo parecia estar no lugar.

Uma observação de Dior em sua segunda autobiografia: "Uma coleção completa deveria ser endereçada à todas as mulheres em todos os países". As roupas passavam um ar de conforto e praticidade, remetendo aos vestuários masculinos que foram adaptados para mulheres após a segunda metade do século XX. "É uma ironia que, em 2017, alfaiataria masculina em mulheres demonstre uma espécie de tendência feminista", disse Nicole Phelps, diretora da Vogue Runaway. Após as guerras mundiais, as roupas femininas passaram a ter um propósito novo; mulheres não eram mais simples adornos, suas vestimentas precisavam ser sóbrias e práticas, mas ninguém estava disposto a abrir mão da elegância. A igualdade de gênero em algum momento passou por aí.


A peça que talvez mais tenha chamado atenção foi o belíssimo trabalho do casaco de cartas de tarô que levou mais de mil e quinhentas horas para ser confeccionado à mão por dez pessoas. Christan Dior tinha muito interesse em tarô e astrologia, o que levou Chiuri a criar uma coleção inteira (Dior Cruise 2017) baseada na releitura do baralho Motherpiece, de 1981. Para a o desfile da PCW17, essa paixão pelo misticismo foi traduzida em uma peça luxuosa e minuciosamente trabalhada.


Maria Grazia Chiuri definitivamente criou uma coleção para quem ama Alta Costura. A priori, tudo que vemos é algo básico e repetitivo - atrevo-me à dizer, uma versão sóbria e menos escandalosa de Ulyana Sergeenko Fall 2017. Porém a verdadeira mágica está quando olhamos cada peça à fundo e descobrimos uma infinidade de significados e referências, traduzidos em criações usáveis, bonitas e atemporais. Esse período em que gosto de chamar de "A Crise da Alta Costura" (minha resenha sobre a PCW17 conta um pouco sobre), é interessante valorizar esse tipo de trabalho, embora a Dior seja uma Maison extremamente - talvez, unicamente - comercial nos dias de hoje, ainda existem couturiers dispostos à impressionar a escassa comunidade de High Fashion do século XXI.

Veja a coleção completa: Vogue.com
Assista ao desfile: M2M.tv

- JM